Onde?

Onde corta a faca
que não lhe sinto a carícia?

Onde verte a lágrima
que não me salga o lábio?










Não Sei Para Onde Ir


Não sei. Nunca soube ao certo.

A Ventania que chega é aquela que me leva. Não sei ...
A que caminhos meus pés se consagram, mas ...
Meus olhos já apontam para a Distância
Que sedutora me abre os braços: faminta
Da dissonância que permeia meus vãos desígnios.

A Distância ...

Em cujo lábio hei de me embriagar de flores-sóis-e-marés.
A Distância ...
Que serpenteia ante os meus errantes desejos de amá-la,
Como só um trovador é capaz de amar sua canção.

Ah ... Distância!
Que haverá de compreender o meu cansaço de estar com ela.
Posto que nem ela
Seria capaz de deter a angústia de querer o que vem
Depois dela: 

O Limite ...

O Limite que assombra.
O Limite que incendeia a asas do ícaro.

( Mas o ícaro depois que aprendeu a voar,
Atirou no abismo da inutilidade os pés ainda infantes
Que o levaram ao cume do monte
De onde avistou o firmamento que o quis. )

Meus pés
Meus pés ainda divagam ... fiéis conselheiros que são de minhas asas
Inconseqüentes asas que são
Do esboço que traçam na Distância que as despedaça.

E eu me vou. E me vou sempre. Sem que saiba nunca 
O que haverá além ... da sombra
Cambaleante que projeto adiante de mim. 
E ela segue ... Como se me guiasse. Ela segue ...
Trocando confidências com a Distância,
Conspirando a meu favor e contra mim, sem se dar conta
De que é uma marionetes sob a alcova de mãos débeis 
Daquele que um dia haverá de caminhar no sentido contrário, 
Sendo ele então ... a Sombra
Conspirando com ela e não com a Distância,
Que entediada e sentindo-se só ... buscará

Ah, buscará ...
O abrigo naquele que a amou, sem saber que amava.
Sem saber que em si
Amor havia: O Limite.

E ambos serão cúmplices do bardo e da sombra
Que no intervalo das horas promíscuas haverão de se bastar
Um ao outro.

E a caminhada terá o seu recesso,
Para o descanso das flores-sóis-e-marés que se agitam
Aos meus pés,
Contando histórias que já não distraem como a um instante
O Instante líquido que me cedeu a vez no agora,
Desta hora cinza.

Está Nu

O que quero dizer-te
Está nu,
Enquanto quero dizer-te apenas ...


Está nu,
Porque está a sós comigo,
Brincando de esconde-esconde pelos quartos vários
Do meu pensamento.


Está nu,
E nu ainda estará
Enquanto não houver quem lhe diga
Que nu está;


Enquanto de palavras abotoadas não lhe cubram
A nudez que só tem o que não reconhece
Nos olhos do espelho os seus próprios olhos.


Assim, o que quero dizer-te,
Não te digo!
E fico, por assim dizer, subentendido
Como céu que comovido de nuvens não chora
Negando-se à terra sedenta de quem se enamora
Paisagem


Ah, Paisagem ...
Faminta que estás de meus vagos olhos,
Busca-os em torno de ti
E não os encontra ...


Veste-te pois
Com as frágeis nuvens do porvir!


Recolhe-te a teus aposentos, onde luz e sombra,
Embriagadas uma da outra, conspiram
Pra que meus olhos à deriva não possam navegar-te.


E assim permanecerás,
Como narciso sem espelho
Mendigando a contemplação dos cegos ...


Destes cegos
Que só conhecem de ti a miragem,
De que lhes fala o canto do pássaro e do trovador.


Permanecerás assim,
Tão virgem de mim?
Que o Mundo Passe


Que passe o mundo
Devagar ... por mim
Que o mundo passe e eu fique
Olhando ao redor


Que eu fique só
De todo, e enfim
Com minha lágrima e meu suor


E que esteja surdo ao soar do clarim
Que conclama os homens a entender a vida.
E a desejá-la
Sem no entanto tê-la, sem no entanto
Comovê-la , sem no entanto
Amá-la ...
O Caminho Sem Termo


Nunca chegarei ao termo do caminho
E no entanto, em cada passo que dou há uma insaciedade
Que me conduz adiante e insiste em contrariar-me os desígneos


Há neles uma estranha fé que me escapa quando páro
A fitar minha sombra com o sol por detrás
Como que se guiar-me ela pudesse
Sem se dar conta disto


Mas sinto nela um incômodo, um desejo de posse por si mesma,
Uma urgência por subtrair-se de minha presença
E a compreendo
E a amo por reconhecer nela aquilo que não sou


Nunca chegarei ao termo do caminho
E no entanto não há em mim qualquer aflição nessas horas
Basta-me agora a fiel semelhança com a nuvem:
Informe
Tediosa
E sem propósito
Que apenas está ...
Num céu que é!


E que se ri
Dos passos voláteis e sem termo que dou
Cheios de vertigem
E vazios de mim
Silêncio em Tudo


Dia estranho. Silêncio em tudo
E toda gente se olha buscando um seu
Nos olhos do outro
E nos olhos do outro ... um céu
Sem cor


Dia estranho, amor. Silêncio em tudo
E a palavra debruçada na sacada dos lábios
Apenas saúda com gestos distantes
A paisagem que não compreende


E ali se detém
E ali se dissolve como chuva que não chove
Como vento que não vem
Não era eu quem sorria


Esta noite mudei o curso de minhas lágrimas
Não desaguarão no mar de tuas vaidades


Pois esta noite enquanto tu dormias
Alguém chorava e não era eu quem sorria


O teu orgulho é o meu algoz
O vilão que me quer por ao chão


Mas esta noite não serei teu refém
Pra que te sintas tão bem ... tão bem


Irei além, muito além de ti
Pra um lugar que não mais este aqui
Olha a Lua


Olha a lua
E não vem você também dizer
Que ela está nua


Só para rimar com essa sua
Poesia tão sem graça
E crua


Que passa, passa, passa
E não perpetua a lua
No seio, na sua


E nós a sós
Tão sós, no meio da rua
Que não soa, que não sua


E nem disfarça
A farsa dessa pedra que brotou
No seu caminho


Eu bebo o vinho e quebro a taça
E de mansinho a gente embaça
A lente, a mente
E passa rente


Da lua
Na fossa, no fosso
Olha ...
Ela está nua!
Ela está nua ...
Uma Estrela Apenas


É hora de rasgar a pele
Que me cobre feito uma camisa de força


Quebrar os espelhos que me cercam
De olhares promíscuos


Deixar que cresçam as asas
E tomar de assalto o céu vadio


Voltar-me de costas e andar em silêncio
Pelos caminhos que me guiarão pela distância


E, uma vez lá, deixarei que se vá minha sombra
Pois já não suporto-lhe a presença


Que se vá ... até que me ascene o dia
Em que reste, lá no alto, uma estrela apenas


Erguerei então minhas mãos trêmulas
E dela tomarei posse


Antes que ela mesma, e tão somente ela
Se aposse de mim!